Wednesday, November 26, 2008

Cegueira condicionada

A maior crítica que faziam ao filme é que não era o livro...

...parafraseando qualquer adolescente amerciana: "Dhuu!"

"Blindness" é um grande filme, amigos.



Primeiro, do alto da minha ignorância, deixe-me dizer que é a melhor adaptação cinematográfica que já vi. Entre adaptar um livro numa aula de argumento e ter lido/visto vários livros/filmes adaptados, este é sem duvida o melhor trabalho que já vi. (Sim, há livros de que não vi a respectiva adaptação e vice versa, mas este paragrafo começa com "do alto da minha ignorância".)

Muitos diziam que estava lá tudo do livro. Confere. Mas que não estava lá a alma do mesmo. Que era uma sequência estruturada do livro mas que não se "sentia a história" da mesma maneira, que não havia a profundidade e a entrega emocional que tinham encontrado no livro. O problema das adaptações é que têm sempre um ponto de comparação. E ainda mais ingrato que isso, é que esse ponto de comparação vem da nossa imaginação, aquele local fantástico onde tudo acontece como nós queremos e desejamos. Como pode um filme rivalizar com o nosso imaginário utópico?

Com um fantástico realizador chamado Fernando Meireles e um argumentista que soube trabalhar com o autor do livro, Saramago. Um livro e um filme são produtos diferentes, autónomos que respeitam regras e conveções diferentes. Claro que há momentos do filme diferentes do livro porque palavras são diferentes de imagens. Cada vez mais me cansam as pessoas que dizem que "o livro era muito melhor". Não comparem. Blindness é prova disso. Aconselho a ler-se o livro primeiro e a ver-se o filme depois, tal como aconselho exactamente o inverso. É a mesma história contada de maneira maravilhosa em mediuns diferentes.

O problema é que infelizmente temos sempre a tendência para "relativizar". "Este é melhor que aquele". "Aquele é pior que este". "Já vi um melhor". "O meu preferido é tal e não este". Estamos sempre a pesar as coisas com outras que nem devem ter nada haver. Blindness é uma obra cinematográfica digna, muito bem feita e interpretada que representa e honra em tudo um livro de antologia, obrigatório a todo o ser humano que respire. E talvez mesmo até aos outros.




Vão ao cinema! Mas não vão preparados para dizerem que preferem a outra sala sobre esta. Que as pipocas de X até são melhores que as de Y. Nem que o livro é melhor do que o filme. É apenas diferente. Se é bom ou não diz-lhe apenas respeito a ele e não ao livro de onde vem.


hug,
gui

3 comments:

Crezia said...

Eu gostei muito do livro. E gostei muito do filme. Ler um livro é ler um livro (eu sou um bocado fanática de viver um livro), não vale a pena comparar. Ponto. Prefiro o contrário, ver o filme e, no caso foram as cenas na rua, pensar: "Que giro, quando li, imaginei tal e qual". Se não coincidir nenhuma com o que imaginei, paciência, não fui eu que o adaptei, verdade?

Carl said...

Senti aqui alguma indirecta? lol, tou a brincar. Eu explico que não gostei do filme não por não ser como o imaginava mas porque não consegui sentir a mesma coisa; as personagens apesar de muito bem interpretadas não me transmitiram nada; só o ambiente me transmitiu alguma coisa, que foi ficar bastante indisposto (palavra!) - o que é bom! A comparação com o livro é quase inevitável por razões óbvias - a tendência é quase sempre fazer isso quando se trata de adaptações. Simplesmente não consegui sentir nada, foi isso.

Abraços rapaz!

Xarls

Gui said...

Xarls,

Não era nenhuma indirecta. Várias pessoas me disseram o mesmo. :) Só quis começar a discussão, porque sabes que conversas sobre cinema são sempre bem vindas, especialmente se tivermos pontos de vista diferentes. :)

Apenas queria defender um produto cinematográfico, que tende a ser comparado quando não deve. Mas obviamente a comparação vem sempre. Eu própria a fiz, é indissociável. Uma adaptação parte de um ponto de partida que existe, mas imagina que o livro tinha sido adaptado para pintura. Num quadro do tamanho do Guernica, triptico e tudo, Meireles queria contar a história do Ensaio sobre a Cegueira... Ia dar mais que falar, hein?

Só quis pedir a quem vir o filme que visse as duas coisas como autónomas. Como primos e não gémeos falsos. :) Tu conseguiste e não gostaste do produto cinematográfico. Fair enough. :D

Um grande abraço, colega,
gui