Primeiro é preciso confessar-se.
Ir beber um copo ao fim do dia é um esforço.
Não é que não saiba bem mas se ir jantar é natural e sair à noite é da praxe, sair do trabalho, cansado e com trânsito por todo o lado, para se ir conhecer um barzinho, é um esforço. Que compensa, verdade. Mas um esforço.
E além disso, gastei mais dinheiro esta semana que o José Carlos Pereira no bar da Kadoc. Toda a gente se queixa da crise, da segurança social e do Governo mas depois abre-se o menu de um sítio como o Fábulas e uma tosta custa 173 euros. Não faz sentido. Eu não sou contra o comércio elitista. Mas 245 euros por um chá, só porque tem um nome pipi como "chá dos amantes" ou "chá rapunzel", faz tanto sentido como o penteado do Fernando Alvim.
Não obstante, há muitas tasquinhas baratas, boas e viciantes que primam por não aparecer em revistas, jornais ou sites da especialidade. E esta era uma semana especial. Eu não podia estar à espera de poupar dinheiro quando me forço a gastá-lo. Eu não sou a Câmara Municipal de Lisboa.
Assim sendo, lá fui eu, dia após dia da semana, conhecer um espaço novo. E aqui estão eles.
TROBADORES - Na baixa, quase no Terreiro do Paço, há um bar medieval. É todo em madeira, tem peles de animais pelas paredes e a empregada está vestida como se tivesse saltado para fora do "Braveheart". E eles levam aquilo tão a sério que a mesma não faça a depilação. A cerveja é boa mas o que vale a pena é que é servida ou em copos de barro ou em cornos. Sim, cornos. Grandes, compridos e ocos, que se prendem na mesa. E quando não estamos a cegar a pessoa à nossa frente, ao beber, há petiscos. Dos bons. Já tinha ficado com cornos por causa de cerveja, mas nunca tinha bebido por uns. Vale a visita. Nem que seja pela viagem no tempo.
CAMPAGNIA - A minha mãe disse-me que durante anos tinha sido o restaurante italiano preferido do meu pai. A minha expectativa estava confortável. E ainda por cima, era perto de casa. Andar pouco, boas referências e comida italiana no mesmo saco, deixavam-me feliz. Visitá-lo é que já não. Não pela comida, adoro o que os sacanas dos italianos fazem com panelas e frigideiras, mas pelo recheio do espaço. Comer num restaurante é bem mais do que sentar, enfardar, levantar. É conversar, apreciar e gostar. Como o espaço estava repleto de engravatados e eu gosto de ser bloquista no que toca a indumentária de pescoço, não me camuflei no local. Ou seja, os empregados resolveram ignorar-me. É bom ter-se "mais pobre" escrito na testa. Ou no pescoço. Comi bem mas senti-me mais ignorado que o Nuno Gomes no plantel do Benfica.
WANLI - Entrar no Wanli é visitar outra dimensão. É numa rua de santos, estava vazio e o dono falava pelos cotovelos. O espaço parece mais um corredor com mesas do que uma sala e lá dentro, apesar de pequeno, há uma lareira e um poço. Eu disse que era estranho. As paredes estão forradas de parafernália do Séc.XVIII e o dono diz ser "monárquico de linhagem, republicano por opção e comunista no trato humano." Experimentei ponche quente - que tem tanto de doce como de enjoativo - e fiquei a saber tudo sobre pratos chineses. Não é que não tenha gostado. Fiquei só abananado. No final gostei que nos tenham aberto a porta ao sairmos. Ou foi cavalheirismo ou queria-nos dali para fora. Foi tudo demasiado estranho para eu perceber.
"? BAR DO CROMA ?" - Como disse, vou todos os fins-de-semana ao Bairro Alto. O problema é dirigir-me sempre aos mesmos espaços. No entanto, esta sexta, resolvi entrar num bar ao calhas, sem pensar duas vezes, que ainda não tivesse visto. Assim fiz. De um momento para o outro estou numa sala toda verde, sentado num banco feito de pauzinhos de madeira e a beber em cima de uma mesa feita de papelão. Sim, papelão. Só me perguntava se os decoradores de interiores em Portugal trabalhavam com a mesma bebedeira com que eu estava naquele momento. Sentia-me dentro de um estúdio de croma gerido por um indivíduo que era tão bicha que só podia ser heterossexual. Daqueles que dava a volta em menos sentidos do que parece. Bebi a minha cerveja, curti a dor de cabeça provocada pelo verde e pelo álcool e voltei a sair. Não sei o nome, não me lembro onde é e desenvolvi uma estranha aversão ao Hulk que não sei explicar.
TEATRO DA LUZ - Assim sim. O espaço já existia, é bonito e quando foi preciso dar-se uma festa para 800 pessoa lá dentro, deu-se. O Teatro da Luz, em Benfica, não está aberto ao público todos os dias mas dão-se lá festas de vez enquanto. Eu apanhei uma dessas e aconselho-vos a apanhar a próxima. A desculpa da festa era a entrada no ano do coelho e havia uma viagem a Macau por sortear. Não ganhei. A viagem. Uma ressaca, sim. Só tem uma casa-de-banho mas tem 4 bares. Tem a música alto mas não tem vizinhança. E eu gosto de ver salas de espectáculo aproveitadas para devaneios nocturnos. Nunca mais me esqueço da discoteca mais bonita a que já fui, em Barcelona, em que um gigante teatro foi usado como pista de dança - o Apolo Club. Do palco aos camarins, tudo estava cheio de gente bêbada a abanar-se. Este espaço é a versão tuga da coisa. E vale a pena.
QUIOSQUES - Há vários em Lisboa e são todos bons. Moro ao lado de um - jardim das amoreiras - estou a 5 minutos de outro - jardim da estrela - e demoro uma paragem de metro a chegar a outro - miradouro de São Pedro de Alcântara. Não são tão agradáveis agora no Inverno em que levamos com temperaturas aos dígitos sozinhos mas no verão, são um mimo. O das amoreiras é a melhor maneira de acabar o dia - e até quem sabe, o melhor escritório para se trabalhar. O da estrela é óptimo para passeios com a família. O do miradouro de são pedro de alcântara tem das melhores vistas de Lisboa. Só é pior à noite, quando a vista é substituída por "futuros membros da JSD" vindos do Bairro Alto aos gritos. Comentar trivialidades nunca soube tão bem, como nestas esplanadas lisboetas. Tenho de conhecer os que me faltam.
Agora, os mais atentos fizeram as contas e perceberam que estão seis itens nesta lista, quando deviam estar sete. Certo. Isso leva-nos ao momento mais desconfortavelmente cómico da minha semana. E foi logo na segunda-feira.
"BAR" - Saí do trabalho pelas 7 e tinha de inaugurar a minha demanda por espaços de má vida. Lembrei-me que, no Pateo Bagatela, tinha visto uma porta enorme a dizer "BAR" e que defendia "every hour is happy hour". Parecia-me a melhor maneira de começar. Dirigi-me até lá com uma amiga e olhámos lá para dentro. Vimos vários computadores e mesas espalhadas. Pessoas a escreverem. "Boa" - pensámos - "tem wireless". Chegamos à porta e lá dentro vemos mais mesas, um balcão e garrafas pelas paredes. O neon da porta dizia agora, ainda mais perto, "BAR". Tocámos à campainha. Abrem a porta e entramos lentamente. Um homem com um ar surpreso diz-nos "vieram ter com quem?". Minuto de silêncio. Não era o que esperávamos ouvir. Eu digo "Não vinhamos ter com ninguém. Era para beber um copo.". Ele sorri. E diz "peço desculpa mas isto não é um bar, é uma agência de publicidade." Eu faço questão de realçar o neon gigante à porta do espaço que diz, claramente, "BAR". Ele explica que os fundadores da agência se chamam Bruno, Andreia e Rita e que por isso se chama "BAR". Eu e a amiga ficamos em silêncio. Saímos de lá envergonhados e a rir. Não sabíamos se nos tinham mentido, se tinhamos feito figura de parvos. Só não queríamos ser os primeiros a quem aquilo acontecia.
A semana valeu a pena. É altamente desaconselhada por motivos financeiros mas não quero deixar de conhecer espaços bons, como vi que existem, pela rotina. Quero mais bares como o Porcópio, o BombShelter, o Paródia, o Lábios de Vinho, o Mignon, etc. Mais experiências como a do Trobadores ou a do Wanli. E mais bebedeiras como a do espaço no Bairro Alto decorado pela madeixa da Maria José Valério.
Vou continuar este desafio por mais tempo. A gosto.
Desde que os bares sejam mesmo bares.
Há por aí uns sacanas travestidos.
Sunday, February 06, 2011
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