Saturday, September 04, 2010

Lançamentos

Eu jogo basketball há vários anos. Adoro.
Mas nos últimos tempos tenho falhado lançamentos constantemente. Durante o jogo simplesmente não acerto. Por mais que lance, nem quando respiro fundo, nem quando me concentro, nem com defesa, nem sem defesa, nem sem querer consigo acertar. Nada.

No final do jogo, por raiva e frustração, fico a lançar sozinho. Enquanto toda a gente discute o jogo e conta moedas para pagar o campo, eu fico a lançar ininterruptamente. E quanto mais lanço, mais acerto.

Lembro-me que no início era fácil jogar. As coisas saíam naturalmente. Sem pensar. Era divertido. Puro. Mas com o tempo, um gajo tem a mania, quer ser melhor, fazer mais, tentar mais alto, mais depressa, com mais força e começa a tentar controlar qualquer que seja o “jeito” que tem. A tentar ter consciência do que até aí era simplesmente natural. E começa a falhar.

Tudo aquilo que nos dá prazer a fazer na vida começa como um hobbie. Uma simples vontade. E se tivermos jeito, recebemos elogios. Infelizmente, esses cabrões servem tanto como masturbação auto-gratificante como de anestesiante. Dão uma “moca” discreta que nos deixa desligados, ausentes, relaxados, dormentes. Vamos seguindo gloriosos e com o tempo empenamos. Estagnamos…
…e podemos seguir três caminhos.
- Ou desistimos porque a gratificação imediata já cá canta e podemos partir para outra;
- Ou nos mantemos iguais porque os "elogios servem". Porque sabem bem. Porque ficamos com medo de, ao mudar alguma coisa, perder aquele calor do sucesso imediato;
- Ou então, começamos a pensar no que estamos a fazer. Começamos a levar a coisa a sério. Trabalhamos. Ficamos a lançar no final do jogo;

A qualidade do nosso trabalho, a nossa aptidão para algo, nunca é uma curva constantemente ascendente. Começa por subir por si ao início mas há um ponto, o mais importante de todos, em que começa a estagnar. É o ponto onde queremos muito que ela continue a subir mas ela fica horizontal. E onde somos obrigados a agarrar a curva pelos testículos e a tomar uma atitude.

É esta sensação, esta frustração, esta auto-flagelação que quero sentir e forçar em tudo o que faça. Sentir o peso do sacana do ponto de passagem do "ter jeito" para o "ser bom". Ou se desiste ou se trabalha. Ou se adormece ou se sua.

É neste ponto em que me sinto. Na escrita. No stand-up. Na porra dos lançamentos. Passei o ponto em que os elogios e as pancadas nas costas chegam. Quero críticas. Quero levar nas orelhas. Quero dar atenção ao detalhe. Quero continuar a subir. Quero aprender. Quero controlar o que faço. Quero ser bom. Não. Quero ser melhor.

Os “talentos puros” é que se podem dar ao luxo de fazerem carreira "sozinhos".
Mas eu não sou um talento puro. Esses gajos são raros demais. Eu preciso de levar nas orelhas. De professores. De colegas. De públicos. De críticos de bancada. De experiência.

Para acertar mais lançamentos preciso de mais trabalho.
Preciso de continuar a lançar mesmo depois do jogo ter acabado.

PS – Faço este mês 4 anos como stand up comedian. Parabéns a mim. Mas não pelos sucessos conseguidos. Pelos erros que vão deixando de ser cometidos.

1 comment:

Marta K said...

O facto de já teres a coragem para tentar avançar de um território que por si só já é confortável é sempre algo de valor. E aliando a vontade em passar sempre esse ponto, em querer continuar a subir e ser o melhor, acho que já tens meio caminho porque a vontade e a ambição não faltam. Arranja pessoas que possam "dar uma pancadinha" nas costas de vez em quando mas que também tenham "as bolas" para dizer quando as coisas estão mal. São essas as pessoas que interessam quando queremos ser melhores. Essencialmente aqueles que por empatia ou por simplesmente grande amizade são capazes de chamar a atenção quando é realmente necessário.

Ahh, já agora, Parabéns! :)
Que venham muitos mais anos e seus respectivos erros e constantes subidas nessa curva :P