Esta última crónica alusiva ao Algarve é sobre amizade. Ou falta dela.
É como que uma pequena lição de vida mascarada de relato jovial e leviano de uma experiência pueril em terrenos algarvios. Mas é uma pequena lição de vida.
A amizade não é mais que um conceito que vem em pacotes de 70 quilos, chamados amigos. São esses amigos que estão lá para nós, que nos acompanham em momentos bons e maus, que nos dão o que nos falta e que nos tiram aquilo que temos a mais. Isso são amigos. Pessoas com quem temos prazer de partilhar conversas e momentos. Pessoas disponíveis para nos ajudarem e acompanharem na nossa vida.
O problema é quando esses amigos não estão lá para nós.
Era a minha noite de beber. Eu, o condutor e o Vítor – sim, ostento aqui o nome do indivíduo “formely known as” meu amigo para todos se precaverem – fomos todos novamente para o Deck. O leitor mais atento destas pequenas crónicas já deve ter percebido que vamos constantemente para o Deck de Vilamoura. O parágrafo seguinte explica bem porquê.
Todas, mas todas as pessoas que estão naquela área do Algarve vão para o Deck antes de saírem. Se não o fizeram, foi porque não iriam sair. Ou porque ficaram fechados na casa de banho sem conseguirem sair. Ou porque morreram. Todos os jovens sedentos de corpos suados a dançarem ao som de músicas repetitivas em discotecas algarvias, começam a sua noite no Deck. Homens e mulheres.
E como faltava nestes pequenos relatos, é de mulheres que esta história versa.
Fui buscar uma cerveja para mim, deixando o Vítor e o Condutor a conversar uns metros atrás de mim. Quando cheguei ao bar, pedi uma cerveja de 75cl. O leitor mais fiel a estes pedaços de histórias estará lembrado do meu desafio com S. e uma desta cervejas, mas esse dia foi depois deste. Eu tomei conhecimento desta tamanha cerveja nesta mesma noite.
Pedi a cerveja, e quando o fiz, uma rapariga baixa, bem arranjada e bastante agradável ao olhar parou ao meu lado. Enquanto o rapaz do bar me tirava 75cl de cerveja de dentro de um barril para dentro de um copo, ela fez o seu pedido. A mesma coisa que eu. Eu olhei para ela, reconhecendo a ligação, e ela sorriu. Quando o rapaz do bar pousou o meu recente adquirido copo, eu simplesmente o movi até ela. Sim, foi respeitoso. Sim, foi cordial. Sim, foi uma forma de meter conversa com ela. Ela pediu a mesma coisa que eu. Eu fui cavalheiro e dei-lhe o copo que seria para mim. Esperar mais uns minutos, que ele tirasse outro copo, não me iria matar. Ela gostou do gesto.
“Isto custa quanto?” perguntou. Eu respondi pelo rapaz do bar. Ela contra atacou, “E uma das de 33cl?”. Eu voltei a bater o rapaz do bar na velocidade de resposta. “Então, estou a ganhar dinheiro se pedir uma destas e não três das outras, certo?” O rapaz do bar nem tentou responder. Eu disse-lhe que “sim, mas que também um copo desse tamanho dá para a noite toda”. Estas minhas palavras despoletaram o que poderia ser o início de uma grande amizade. “Achas? Eu bebo isto em minutos…” e sorriu, completando: “Eu sou do porto”. Eu já tinha percebido pelo sotaque, mas como a minha destreza pela localização de sotaques me podia levar até Braga ou Tui, foi o facto de ela dizer que bebe muito, que me fez confirmar que era do Porto.
A conversa evoluiu para a minha total aceitação que sim, no porto se bebe mais que em Lisboa. No meio da troca alegre de palavras, lembrei-me de que os portistas são conhecidos por outra característica… “Como é que te chamas?”. São desbocados e directos. “Guilherme, e tu?”, “Joana”. Enquanto sorri pela virilidade da pergunta, ela melhorou o ambiente. “Vais sair para onde, Guilherme?”. Não sei se era do ar, se passava alguma brisa, mas a noite estava a ficar bastante agradável.
“Então, a ver se nos vemos por lá. Até já, Guilherme” e piscou-me o olho, indo embora. Eu fiquei parado, a analisar os minutos anteriores em câmara lenta, não fosse haver um penalti mal marcado, e peguei na minha cerveja. Quando levantei os olhos, o rapaz do bar sorriu-me. Era um sorriso de companheirismo. De reconhecimento. De respeito.
Quando voltei para junto dos meus amigos, ou como eu lhes gostava de chamar na altura, contei-lhes o que se tinha passado. A primeira pergunta deles foi esperada: “Era gira?”. Respondi afirmativamente. A segunda também: “Houve flirt?” Respondi afirmativamente. A terceira lançou o triste desfecho que esta história tem. “Ficaste com o número dela?”. Não respondi.
Eu não tinha ficado com o número dela. Erro? Não me parece. Tinha tudo corrido bem como tinha corrido. Mais, teria sido demais. Menos, teria sido triste. A única coisa que eu tinha dela era a sua localização nas próximas horas, onde estaria a dançar com as amigas. E com 75cl de cerveja no estômago. Disse-lhes isso.”Ela vai sair e perguntou-me se eu ia… Pessoal. Temos de ir sair hoje!”. A amizade, despedaçada e humilhada, morreu nessa altura.
“Heya, sair? Pá, bora deitar cedo hoje. Amanhã fazemos um bom dia de praia e saímos à noite. Vais ver que ela está lá à mesma…”. Cada palavra desta frase, juntamente com a concordância nojenta que ambos os meus “amigos” tinham no seu sentido, fizeram-me ter pequenos vómitos na boca, tristeza e um pouco de raiva pela total falta de… eu explico.
É que nem é só falta de amizade, chega mesmo a falta de… humanidade. Que ser humano vê outro perto da felicidade e lhe retira isso? Não é isso maldade? Ter prazer no sofrimento dos outros? Ou simples indiferença na existência e alegria do outro?
Para eles foi apenas uma noite, e um cansaço. Para mim foi um pequeno harakiri na amizade que existia até então.
Não fomos sair. Eu não tinha carro, boleia ou maneira de me mover. Eles tinham o carro, os horários e basicamente, os meus testículos saltitantes na mão. Não fui sair.
ADENDA NECESSÁRIA: Não voltei a ver a Joana até alguns dias depois. Adivinhem. Estava no Deck, sim… a conversar com outros rapazes. Não lhe falei mais. Não que exista aqui ciúme ou raiva, há apenas reconhecimento de como o mundo gira. Sobre si próprio. Tinha passado a minha janela, a minha oportunidade, a minha cerveja de 75cl. Quando precisei de amigos, não os encontrei. Estava sozinho, alcoolizado o suficiente para não puder conduzir, e com a certeza que naqueles dois, não tinha “companheiros”. Porque, leitores, o que quero que tirem deste relato é isto. Os “amigos”, só são verdadeiros “amigos”, quando são “companheiros”.
ADENDA DESNECESSÁRIA MAS ÚTIL: Nos dias seguintes, aqueles que usei para gozar com aqueles dois otários como se não houvesse amanhã, apercebi-me de uma coisa. Joana’s haveriam várias no Deck. Na vida. Dois otários que me dessem razão de gozo eterno… poucos. O meu copo tinha de ficar meio cheio, ok?
Monday, August 24, 2009
All Garve and no Lisbon make Gui a Happy Boy #3
Etiquetas:
algarve,
escrita,
histórias,
sinceridades
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1 comment:
Já ouvi vozes sobejamente 'alevantadas' a criticarem a tua inoperancia de ir falar com ela nos dias seguintes. Vozes de pessoas que a conseguem 'alevantar' mas não conseguem fazer o esforço de ir com um amigo para uma discoteca em vez de se deitarem cedo.
Concordo perfeitamente contigo em não teres ido falar com ela. Mulheres há muitas, janelas não.
Já se queimaram mulheres na fogueira, judeus e comunas. Acho que os próximos deviam ser esses! Barbeque no terreiro do paço?
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