Um texto sobre o prazer de ser benfiquista, escrito numa altura em que não era fácil ser benfiquista. Sim, porque nas alturas más também se o é.
Espero que gostem.
"Sim, sou benfiquista. E é sobre essa “condição” que me apetece falar hoje.
Não foi à toa que durante o “regime”, essa época áurea de criatividade e inovação, existiam 3 F’s importantes e vitais. O primeiro F era de “Fátima”, espelhava a nossa ligação com a Igreja. A relação entre padres e congregações, especialmente crianças. Foi produtiva e educativa, sendo que se fomentava veemente tanto troca de conhecimentos como troca de fluidos corporais. Respeite-se a história e as vontades do clero. O segundo “F” vem de “Fado”. Estilo musical que se dizia característico dos portugueses. Faz sentido. O luto e a tristeza tinham de comandar um povo que não podia contar uma piada. Compreendam que faltavam ainda alguns anos para termos uma Carolina Salgado ou um Cláudio Ramos. O último “F” vem de “Futebol”. Este último ainda hoje nos acompanha e move, demonstrando que Salazar não era parvo nenhum. Até ficar cansado e decidir sentar-se, claro.
O futebol é-nos importante em Portugal como em poucos países o é para o seu povo. Nós vivemos futebol. Conversamos futebol. Choramos futebol. Até suamos futebol. Não porque joguemos nós próprios mas porque gritar com o Chalana é cansativo. É esta emoção que nos move, que nos seduz, que nos apaixona. O futebol é no fundo isso mesmo, uma paixão. Os treinadores são nossos pais. Os dirigentes são nossos patrões. Os jogadores do nosso clube são nossos irmãos. As mulheres dos jogadores nossas mulheres! Vá lá, é pelo bem da enumeração!
O benfiquismo é, no fundo, uma condição porque “sofremos” dele. Não podemos “optar” usá-lo. Não é uma camisola. É um herpes ou uma borbulha. Não é uma namorada. É uma mãe. Mas não se enganem, é um herpes que eu adoro carregar. Não estou triste de ser benfiquista. Estou orgulhoso e repleto de cremes e loções. Gosto de ser do Benfica mesmo quando levamos na (censurado) ou nos (censuradíssimo). Ser do Benfica é isso mesmo! É sofrer. É perder. É adorar contratações megalómanas de verão. É amar e respeitar as velhas guardas. É confiar sempre na equipa no início da época. É ter sempre a certeza de que vamos ser campeões! É ser gozado nas goleadas…
Ser do Benfica é um prazer sem igual. E estão a ler isto do teclado de alguém que não sabe nada de futebol. Não sei quem foi o melhor marcador do Campeonato em 1967. Nem sei quem é o treinador do Real Madrid neste momento. Não sei quem foi o defesa centro do Sporting ontem à noite! Sim, tenho testículos. Sei que sou do Benfica e que isso me faz feliz. Faz-me feliz porque sou realista. Acho que isso convém ser aos benfiquistas. Mesmo que seja só um bocadinho. Já que temos um problema de pele na genitália, vamos saber reconhecê-lo.
O adepto do Benfica tem duas enormes características que o acompanham sempre e que sem elas não seria “Benfiquista”. Os engraçadinhos vão dizer “Barriga de cerveja” e “Uma mulher com olhos negros”. Não é que estejam enganados mas calem-se lá para eu acabar de escrever, se faz favor. O Benfiquista é como uma criança. É infantil e sonhador. É fácil então perceber o bem que faz ser benfiquista. Solta a criança que há em nós, com ou sem catequese na altura do regime. Mas é sermos crianças também por sermos “anti-formalidade”. Um Benfiquista detesta tudo o que é “formal”. A conversa “formal”, a etiqueta “formal”, a postura “formal”. É uma característica portuguesa que nós sabemos levar a todos os cantos do mundo, de tasca em tasca até à vitória final. Detestamos distâncias e friezas. Queremos proximidade. Seja num abraço quando marcamos golo, seja num murro a um Portista num parque de estacionamento. É um calor humano que sabemos cultivar e hiper-activar como crianças que somos. A última característica comum a todos nós é que somos detestados por todos os outros clubes. Não é difícil perceber isto. Ouçam o que cantam os Portistas quando ganham um jogo qualquer e constatem a importância freudiana que temos para eles. Pode ser só uma ideia minha mas eu acho que no fundo o Futebol Clube do Porto queria era ir para a cama com o Sport Lisboa e Benfica, levou foi uma gigantesca nega.
Portanto colegas leitores e adeptos de futebol, eu sou Benfiquista e digo-o até nas piores alturas. Se virem o meu clube a levar 3 de um clube “menor” não estiquem o indicador e esbocem um sorriso. Se virem o meu clube a ter uma péssima segunda parte depois de uma primeira de luxo, não guinchem em jeito de catarse. Não comentem em tom jocoso. Não gozem. Não servirá de nada. De absolutamente nada. Ser Benfiquista é ser assim mesmo. É ser feliz com os nossos problemas. É ser "doente" por futebol. É saber relaxar e respirar fundo, aceitando a nossa condição. É saber que se a metáfora do “herpes” continuar, temos de ir ao médico rapidamente.
Guilherme Fonseca"
Se chegaram até aqui, relembro que tenho mais uma catrafezada de textos online, aqui.
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