Há um ano e picos escrevia uma crónica humorística num site de cinema.
Foram 24 contos que me deram um enorme prazer a escrever. E que, uns mais que outros, sairam bem porreiros.
Hoje relembro um que para mim só pode ser lido (e fazer sentido) na noite de hoje.
Apreciem a técnica de engate que só resulta uma vez por ano.
"- “Bem” – disse Miguel aproximando-se do amigo – “então fazemos assim”...
- “Afasta-te de mim! Ainda parecemos dois gays, pá.”
- “Mas tu deixas de ser homofóbico e parvo? Não parecemos nada gays, somos dois homens a falar de uma forma confidente num bar. Cala-te e ouve-me.”
Bruno encolheu os ombros e deixou Miguel falar.
- “Escolhes uma rapariga que aqui esteja. Qualquer uma. Da mais feia e asquerosa à mais… tu percebeste. Se eu ficar com o número dela à primeira tentativa pagas-me a totalidade do filme. Fazemos assim?”
Bruno passou as mãos pela cara. – “Isso parece-me estúpido e desesperado. Queres assim tanto arriscar o orçamento do teu filme nos teus dotes de sedução?”
Miguel sorriu – “Sabes bem que não sou de engates mas quando chamas ao meu trabalho como realizador algo indeciso, incoerente e medricas, acho que tenho de mostrar a quem me nega dinheiro que tenho coragem, decisão e objectividade. Não?”
- “Pronto.” – suspirou Bruno – “Se é isso que queres vai lá ao ataque.”
- “Com qual queres que vá falar, senhor produtor?”
- “Pode ser aquela morena. Mostra-lhe a tua objectividade, senhor realizador…”
Miguel ajeitou a camisa e deu três passos até ao balcão do bar. A morena nem notou a presença deste, continuou a beber a sua bebida calada e discreta.
- “Desculpe, tem horas que me diga?” – perguntou Miguel, inseguro pela frase e seguro pelo péssimo começo.
- “São 11 e 57.” – e desviou o olhar.
Não era assim que Miguel ia chegar lá. Olhou em redor do bar e teve então uma ideia. Na altura pareceu-lhe genial, dias depois percebeu que tinha sido só uma volta numa roleta russa. Ficou uns segundos calado e resolveu arriscar. “Desculpe estar a maçá-la mas preciso de uma parceira para fazer um jogo comigo”.
A morena olhou para Miguel meio de lado, desconfiada mais interessada - “Diga…”
- “Fazemos assim, eu faço-lhe duas vezes a mesma pergunta. Se falhar a resposta das duas vezes, eu fico com o seu número de telefone.”
A morena olhou estupefacta e divertida para Miguel – “Duas vezes a mesma pergunta? E eu posso saber a resposta à pergunta antes de ma perguntar a segunda vez?”
- “Claro…” disse Miguel entusiasmado com o possível sucesso da sua bala.
- “Então força, pergunte-ma pela primeira vez…” – A morena já estava com um olhar desafiador. Estava discretamente interessada no resultado daquele jogo.
- “Que idade tenho eu?”
A morena soltou o peso dos ombros. “Só isso? Pensei que seria algo mais difícil… Sei lá… 26.”
Miguel sorriu e respondeu “Errado, tenho 29. Mas deixe-me agradecer-lhe o elogio. 26? Boa. Bem dizia a minha mãe que vale a pena pôr creme solar”.
A morena soltou um riso tímido. “Agradeça à sua mãe este elogio. E então, não me vai fazer a pergunta segunda vez?”
- “Vou. Mas de certeza que não me quer elogiar-me outra vez?”
- “Não, quero responder e ganhar”. Disse a morena de forma convicta e já assumidamente divertida.
- “Certo… então, diga-me, jovem morena e divertida que bebe a sua bebida descontraída neste bar enquanto a perturbam com jogos… que idade tenho eu?”
A morena encheu o peito e disparou – “29 anos, senhor que gosta de jogos em que evidentemente devia repensar as regras.”
Miguel estava a ficar deliciado com este jogo. Sem pensar duas vezes falou – “Antes de lhe dizer se está certa ou errada, pode dizer-me novamente que horas são?”
A morena ficou um pouco confusa – “São meia noite e um, porquê?”
- “Porquê?” – perguntou Miguel, para depois responder a si próprio – “Porque a sua resposta está errada”. E com esta frase saboreou o olhar perdido da morena a quem fazia um jogo. ”Tenho 30 anos. Há mais ou menos um minuto segundo o seu relógio”.
A morena montou um sorriso diferente na cara. Um misto de “apanhaste-me” com uma pitada de insultos recalcados.
Miguel estendeu apenas o BI e deixou-a conferir por si própria.
- “Boa… belo jogo, senhor aniversariante. Tome o meu número então. Parece que o merece.” E escreveu o número num guardanapo. Levantou os olhos e piscou o olho esquerdo a Miguel. “Parabéns. Que conte muitos.”
Miguel dobrou o guardanapo cuidadosamente e afastou-se do balcão dando dois passos para trás. “Obrigado.” Quando chegou perto de Bruno falar era desnecessário mas Miguel quis acentuar a sua vitória. “Então, quando me transferes o dinheiro para começar a filmar?”
- “Porra… incrível. Uma visita de 15 minutos a um bar e passo de gay a pobre.”
Miguel riu-se da frase do amigo e rematou “Não me vais dar os parabéns?”
- “Para quê? Julgas que és o primeiro a sacar um número num bar…?”
Miguel não respondeu. Pôs a mão no bolso do guardanapo e saiu do bar com o seu amigo."
Friday, May 14, 2010
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