Tudo começa por brincadeira.
“Bora passar a passagem de ano a Barcelona?”. E por brincadeira, 8 meses depois, fizeste 2400 km de carro e foste comer as passas a um país irmão.
Respondeste que sim. Assinaste um guardanapo frágil e sujo que serve mais como “código de honra e palavra” que de prova em tribunal. Assinaste. E depois de assinares a ideia foi crescendo em ti. Agora existe um pedaço de papel que daí a 8 meses te vai agarrar pelos testículos e dizer “eu sei onde vais passar a passagem de ano.”
Ir e vir de carro é chato, sim. São muitos km e se tudo correr bem, paras para comer, urinar e exercitar o “portunhol”. Mas não queres saber. Estás a esticar as pernas, a certificar-te que ainda tens os glúteos no sítio e que chegas onde queres chegar. A Barcelona.
Se vos puder dar um conselho, não vão na conversa de amigos que dizem “dormir no carro é na boa. Só custa a primeira hora.” Custa a primeira, a segunda, a sétima e todas as outras que um relógio tiver. A primeira noite dormimos no carro mas como primeira também foi a última. Há sempre um amigo de um amigo que está em Erasmus e que empresta chão para dormir. Sim, chão é mais confortável e apelativo que o banco reclinável de um carro. Eu não viajo de limusina. Nem de auto-caravana.
Ouves falar de uma grande festa no centro de congressos de Barcelona. Queres um bilhete. São 50 euros. Não te importas. Massacraste os teus glúteos para alguma razão. Não vais desistir agora. E é passagem de ano.
(Nota do autor: tomem atenção aos próximos parágrafos. Por duas razões. Porque as movimentações são várias e confusas e porque explica, em pormenor e metáfora, o termo “desenrascar” que nós portugueses cultivamos, acarinhamos e ostentamos.)
A festa era no Palau de Congressos de Barcelona. Um centro de congressos com uma sala de exposições enorme convertida e esvaziada para receber centenas e centenas de pessoas em busca de se passarem o ano a abanar os glúteos. (E que belos glúteos foram abanados por lá.) A meio da tarde resolvemos ir comprar os bilhetes para a festa. Chegamos lá e está tudo fechado. Polícia e organizadores confirmam lá dentro que a festa pode acontecer. Batemos à porta mas nem uma instituição nem outra nos responde. À porta está um papel com um número de telefone. Ligamos. Atendem do Hotel ao lado do centro de congressos. Aqui entra em acção o meu “portunhol”. Nunca tinha precisado dele como naquele momento. “Queremos bilhetes para a festa, vocês vendem?” – “Não sei, deixe-me passar à minha colega.” – Colega:”Olá, portugueses. Sou a X. Há 3 festas no Palau de Congressos, para qual querem?” Expliquei vagamente, sem saber o nome da festa, e ela veio ter connosco. Pagamos, temos os bilhetes na mão e ficamos descansados.
À noite vamos até à festa. Chegamos orgulhosos e meio bebidos à porta e estendemos os bilhetes. Pausa. “Herm… isso não é daqui.” Cabra da X… Vamos até ao Hotel, entramos pelo jardim e descobrimos que dão acesso, pelas traseiras, a outro andar do mesmo Palau de Congressos. Onde descobrimos mais duas festas lado a lado. Experimentamos numa. Nada. Experimentamos a outra. Bingo, o bilhete era dali. Mas quando olhamos em nossa volta ninguém tem menos de um milhão de euros na conta bancária. Ou menos de 50 anos de idade. Mierda. Não queríamos nada daquilo. Cabra da X…
Novamente em “Portunhol” e com olhos de “Bambi” (aqueles que o pequeno veado faz quando lhe morre a progenitora. Vocês lembram-se.) tentamos fazer um acordo com a porteira da festa. A festa que nós queremos é no mesmo edifício, mas num andar diferente. O preço dos bilhetes para ambas é igual. Com certeza o edifício tem escadas de incêndio. Entrávamos nesta, subíamos pela escada e estaríamos na outra. (inserir olhos de bambi aqui). Um segurança aparece ao lado da porteira já rendida e diz: “essa outra festa tem segurança privada, não vai dar para fazer isso.” Sacana do segurança… Nesse instante, a porteira tira-nos os bilhetes da mão e troca-os por duas notas de 50 euros. Nós sorrimos – sempre era uma melhoria – e o porteiro ao lado dela diz-lhe “vais ter problemas por causa disso”. Nós damos-lhe um beijo (à porteira, não ao segurança…), agradecemos como um judeu agradeceu a Aristides de Sousa Mendes e saímos rapidamente em redor do malfadado Hotel. Já tinha dito “Cabra da X…”?
Voltamos para a rua, onde está a entrada da festa que queremos. Pausa. Está uma fila interminável. Centenas de pessoas que não conseguiram ainda juntar-se às outras centenas de pessoas que estão lá dentro. Vamos ficar ali até á passagem de ano de 2010 para 2011, se esperarmos. Vemos uma porta de lado do edifício. E ainda temos as notas de 50 euros. Dirigimo-nos convictos e lá dentro está um rapaz e outro segurança. Aqui, mais do que até aqui, entra em acção o gene “tuga” que temos no sangue. Com conversa, piadas e pancadinhas nas costas perguntamos se podemos entrar na festa por ali. Eles olham um para o outro. Depois para as notas de 50 euros que nós tínhamos na mão em plena lap-dance especial e privada para eles. E dizem: está bem. Desaparecem as notas. Aparecem dois bilhetes…
… e entramos na porcaria da festa.
Agora, querem saber o melhor? Depois desta epopeia em busca da festa encantada, entrámos... mas não me lembro de muito lá de dentro. Já tinha bebido ao jantar, ok? E antes do jantar. E depois do jantar. No dia 1, enquanto tentava destilar o álcool que tinha dentro de mim da noite anterior, sabia que me tinha divertido. Tinha a certeza. Mas as memórias eram poucas. E meio desfocadas.
O que sei agora é que não interessa se vou passar a passagem de ano a Sintra, a Barcelona ou à Lua. Onde quer que esteja, os genes “tugas” vão estar comigo. E vou ter tanto orgulho como gratidão por eles.
Espero que a vossa passagem de ano tenha sido menos complicada mas igualmente divertida e movimentada. Se o foi, vão com bastante certeza ter um bom ano. Porque tudo começa por brincadeira…
gui
Sunday, January 03, 2010
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