Sunday, April 17, 2011

Um título… de filme

Quando em Portugal se fala em títulos de filmes o caminho mais comum é gozar-se sempre com os mesmos dois aspectos: as traduções brasileiras - que comicamente explicam, estragam ou ridicularizam os filmes que batizam; e os títulos pornográficos - que de modo ordinário, e sempre em tom jocoso de andaime, fazem rir a criança que temos dentro de nós.

No entanto, nos últimos anos, tem estado a aparecer um novo fenómeno cinematográfico que merece a nossa atenção. Porque enquanto que os dois exemplos supra citados são bons de um ponto de vista cómico, claramente não têm a dedicação à forma, à humanidade e à ortografia que estes novos trabalhos têm.

Sim, porque enquanto nós, portugueses, tratamos com desprezo e indiferença o “simples” título de um filme, há quem esteja empenhado em torná-lo numa obra de arte de per si. Para nós, comuns mortais, o título é apenas uma identificação fonética. Para este novo artista, é uma tela em branco, que leva e eleva o cinema mais além.

Falo assim, obviamente, das reticências nos títulos de filmes.  Porque deverá apenas a pelicula em si, conter dramatismo? Não pode o espectador, mesmo antes de se sentar numa sala - munido de pipocas, bebida e com o telemóvel por pôr no silêncio – ter já começado a experiência cinematográfica antes? Quem são os distribuidores retógrados e tradicionalistas para nos impedirem de usufruir de acção, comédia e suspense, ainda antes da sessão? E tudo… com umas reticências no título.

O artista é anónimo. Prefere manter-se assim – como todos os grandes artistas o fazem. Não tenho garantias que seja sempre o mesmo mas gosto de acreditar que tamanha originalidade, arrojo e dedicação seja obra de uma mente iluminada e, garantidamente, incompreendida. Uns meros minutos de investigação na internet, onde procurei toda a sua obra, levaram-me até inícios  de 2008. Mas é provável que tenha dados os seus primeiros passos bem antes disso.

Mas passemos à sua obra, propriamente dita.

Talvez o seu trabalho com maior visibilidade seja a comédia “Um Belo Par De… Patins” (estreado em Maio de 2008). Aqui, na sua obra mais popular, o artista demonstra como sabe respeitar o género do filme, sem que isso o impeça de criar. “Um Belo Par De… Patins”, sendo uma comédia, deu espaço ao autor para fazer ele próprio uma piada. “Um Belo Par” de quê? De “Mamas” como pensará o leitor mais básico? Não. “Patins” porque assim pode transmitir, mesmo que brincando, a mensagem do filme (a de um homem saído de uma relação à pouco tempo). Mais exemplos deste emprego da reticência para fins cómicos podem ser encontrados em títulos como “Adoro-Te… À Distância” (Setembro de 2010), “Batom… E Botas Da Tropa” (Outubro de 2009), “Padrinho… Mas Pouco” (Junho de 2008) ou “Amar… É Complicado” (Março de 2010) - De notar o transtorno emocional pelo qual o artista estaria a passar quando criou este título.

No seu trabalho com comédia quero ainda realçar o meu trabalho preferido de toda a sua obra: “Plano B…ebé” (Junho de 2010). Sem dúvida um clássico instantâneo, no mínimo, pela forma como brinca com as designações das palavras como se fossem castelos de areia numa praia da Costa da Caparica.

No entanto, ele não trabalha apenas comédia. Quando não era preciso fazer rir, o artista foi versátil o suficiente para aplicar o seu trabalho a novos propósitos. As reticências também podem ser aplicadas como forma de enunciação narrativa. Em títulos como “Por Amor…” (Setembro de 2009), “Thirst – Este É O Meu Sangue…” (Abril de 2010), “Para Sempre. Talvez…” (Março de 2008) ou “Vista Pela Última Vez…” (Fevereiro de 2008) é claro o esforço do artista em deixar o espectador, mesmo no final da leitura do título, em profunda ponderação filosófica do mesmo. A reticência é aqui usada como meio de deixar “no ar” um silêncio contemplativo pela leitura do título. Sim, porque o artista não é egoísta. Gosta que apreciem o seu trabalho mas não o faz pela fama. Fá-lo pelo bem da própria película. Ele sabe que a reticência pode muito bem ser usada como forma filosófica e emotiva de ponderar a narrativa.

Encontrei ainda trabalhos em que a reticência foi reforçada com mais pontuação, numa clara luta do génio por explorar todo o seu talento, sem reservas. E este é talvez o seu trabalho mais arrojado. Já cansado de umas meras reticências, procurou incorporar, que nem um expressionista na sua máxima força, o máximo de elementos que conseguiu, procurando provocar no leitor um claro e directo êxtase literário. “Com Outra?! …Nem Morta!” (Junho de 2009) é uma miscelânia arriscada e bem conseguida de pontuação ortográfica. Esta orgia de elementos visuais no título vão, sem dúvida, ficar na história – sendo ainda um mito que este título tenha causado mau-estar e vómitos em tantos espectadores como alguma crítica quer fazer acreditar.

O importante é reparar que o artista, ao colocar as reticências, está a deixar um pouco de si no seu trabalho. Ele coloca os famigerados três pontinhos nos locais onde ele, enquanto indivíduo, encontrou dúvida, comédia ou profundidade humana. Ele deixa a sua marca pessoal dizendo indirectamente ao espectador “olha que isto mexeu comigo. Perde um pouco do teu tempo a pensar nisto, se fazes favor”.

No entanto, e com toda a certeza, o público não compreende, aceita ou valoriza a arte deste artista. É sempre assim com mentes brilhantes, colocadas em tempos que não são os seus. Aposto que o povo português continua a fazer pedidos nas bilheteiras sem dar a devida pausa nas reticências. Brilhantes títulos como “Padrinho… Mas Pouco” ou “Adoro-te… À Distância” estão para sempre condenados a ser entoados como “Padrinho Mas Pouco” ou “Adoro-te À Distância” num profundo desrespeito pelo trabalho de quem cria, verdadeiramente, no cinema de hoje em dia.

Mas infelizmente... é o país que temos.

3 comments:

João said...

se há coisa que me mete nojo é precisamente as traduções para português com as devidas reticências.

não conseguiria escrever este texto sem dizer uma única asneira ou gritar FFFFUUUUU!

"a profundidade humana" do tradutor é de facto algo invejável. pergunto-me se serão seres humanos a escrever...

Gui said...

Obrigado pelo teu comentário, João.

Mas, por favor, nunca grites "FFFFUUUUU!". As pessoas são capazes de achar que és gago e que estás a tentar gritar "FFFFFUUUUJJJAAAMMMM!" e lanças o pânico. E isso não se faz. As pessoas depois pisam-se, e tal.

O que se faz é vir aqui comentar sempre que quiseres. Prometo que será um ser humano a responder - mesmo quando for um que tenha pedaços de metal devido a um acidente de mota ou assim.

gui

Marta K said...

Gostei mesmo deste texto.
Realmente, as traduções dos títulos para português são... qualquer coisa! haha
Talvez por essa mesma razão é que existe sempre alguma discussão cá em casa quando se quer perceber o filme que se viu porque eu quase que faço o meu cérebro abstrair-se dos títulos em português e ter que chegar ao nome do filme que o meu pai ou irmão querem saber pelos actores.

Títulos em português, não me convencem! (Daí também hesitar quase sempre uns segundos quando vou à bilheteira)