Saturday, April 09, 2011

Pão de Alho


Eu e a minha namorada fazemos 6 meses hoje.
Ela adora pão de alho.
Eu escrevi-lhe este texto.

"O pão de alho

O pão de alho tem dois ingredientes essenciais. Não são segredo - porque quem o baptizou não permitiu - mas são fundamentais. Um pão sem alho não é metade do que podia ser e o alho sem o pão, não é o prato que deseja ser. O pão é comum, popular e, muitas vezes, desvalorizado. É tomado por garantido. Já o alho é um caso especial mas subvalorizado. Está sempre por lá, fala-se dele e sabe-se quem é, mas raramente se pára para lhe dar a devida atenção. E eles souberam fazer isso, um pelo outro. São conhecidos por todos, usados por todos mas é quando se juntam, pingando manteiga quente por onde passam, que se vê e sente o prazer de se unirem. Só um olhar já aquece os dedos, molha a boca e solta o espírito. O pão de alho não nasceu para ser feito, e até demorou a ser cozinhado, mas assim que é preparado já não pode ser separado.
Ao pão, há quem o ache básico. Simples. Uma mera plataforma. A história, e os entendidos, discordam - o alho também. O pão esteve sempre lá, quando mais precisaram dele. Disponível, vida após vida. Forno após forno. Boca após boca. É verdade que o pão não é gourmet por si mas é um ingrediente que sempre soube marcar presença entre os grandes. A vê-los. A observá-los. A apoiá-los. Sempre nos bastidores do que eram orgias de palato de outras mesas de jantar. É versátil e volátil. É trabalhador. É permissivo mas saboroso. Sabe quando é o seu tempo. E o seu grande trunfo é servir tão bem sozinho como a acompanhar. É perfeito para quem só quer matar a fome ou saciar-se com gosto porque está bem com o pequeno-almoço, o almoço ou o jantar. E ai! de quem se esquecer da ceia. O pão é a estrela polar culinária que tomamos por garantida, que seguimos sem saber apreciar a sua luz.
Já o alho, é visto como um mero “acrescento”. É louco, um atiradiço que aloura com facilidade, que sofreu maus tratos sempre que ficou passado. Quer atenção, quando a pede e como a pede, e faz birra se não lha derem. Foi atirado, esquecido, usado por tanta mão inexperiente. O alho só quer dar sabor. Realçar o que há de bom nos outros. É único, especial e forte. Quando aparece, faz-se notar. Quer agradar e gosta que o saboreiem com veemência, prazer e tempo. É um profissional do afecto e do carinho ao palato e gosta de se sentir importante.
Foi no pão que encontrou o seu propósito.
No prato que se designa, falta apenas a salsa e a manteiga porque o pão e o alho não são exigentes mas gostam de estar completos. Lutam por isso. A manteiga não é mais do que um amor que os une. Sim, porque o pão e o alho precisam desse abraço para se agarrarem. Aconchega-se com ele, deixando-se levar sem luta. Calmos. A salsa, salpicada por cima da manteiga, dá acção ao que parecia monótono, monocórdico e monocromático. Salpica-se, surumbica-se, provoca e mexerica. Dá movimento e, se na medida certa, nem se dá por ela. É natural. Necessária e discreta.  
O pão e o alho, sozinhos, podem não ter mudado a história da culinária mas é quando se juntam que merecem um lugar nos menus e nos livros de culinária. É só pôr-lhes a língua em cima. Estão perfeitos um com o outro. Podem abusar um do outro,  falhar ocasionalmente nas quantidades e/ou no uso, mas acabam inevitavelmente por se dar bem. Por gostar um  do outro. Não há sabor como o deles.
Sorvem-no como entrada os comilões, que não sabendo como vão ficar satisfeitos depois de o comerem, são garganeiros e querem saltar logo para outra. Parvos. Mas o pão de alho não se importa. O pão e o alho continuam abraçados, quentinhos, no conforto da louça de cozinha.
Comem-no com cuidado os epicuristas gulosos. Puxam por dele. Deliciam-se, dando-lhe um nome e uma fama. São poucos os que o sabem apreciar mas o pão de alho não se importa de ser ignorado. Está lá para si, não está para os outros. O pão já habituado a ser o conforto da larica dos outros, o alho já satisfeito de ter alegrado o refogado dos outros. Têm tempo um para o outro.
Desejam-nos os conhecedores, pois não é comum sonhar-se, desejar-se e lutar-se por um. É uma “entrada”, um “couvert”, um “aperitivo”. Idiotas, os que o desvalorizam. Os espertos, os verdadeiros degustadores, sabem como procurá-lo e fazem dum prazer muito seu o facto de o encontrarem. Ele costuma estar por aí. Feliz e completo na sua companhia. Não faz por ser notado porque está onde quer estar.
Quem o morde sabe o bem que sabe. É algo nunca antes provado, com o alho a saber aproveitar-se do espaço e da disponibilidade do pão, e o pão a pavonear-se de ter o alho consigo.
O pão de alho não é um prato original, de fazer parar o trânsito da gastronomia, mas é sempre das misturas mais inesperadas que saem as coisas mais óbvias. À primeira vista, o pão de alho pode pecar por parecer um caminho normal mas é um casamento que nunca desapontará. Se o pão e o alho continuarem a tirar o melhor um do outro, nunca deixarão de fazer do forno, um mundo só seu.

O alho era do que o pão mais precisava.
O pão conseguiu dar sentido ao alho.
Uma dentada, por sua vez.
Um prato de cada vez."

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