Friday, April 15, 2005

A Consulta

Naquele dia o psicanalista estava de fato preto, parecia vindo de um funeral mas o cheiro denunciava o contrário. Miguel não percebia porque é que o seu bom senso lhe dizia para ir bem vestido para a psicanálise. Aquela era a única vez em que estava deitado num sofá e não estava de boxeres a coçar os testículos enquanto via um desfile de bikini. Sim, porque Zapping era mesmo o único desporto que este quarentão de 200 quilos praticava. Deitou-se, como fazia sempre, e ficou a espera que o médico disse-se alguma coisa...
Médico- Então miguel? Como se sente hoje? Menos nervoso?
Miguel- Não sei... Acho isto muito complicado. Chego mesmo a duvidar da minha sexualidade quando cá venho. Sempre me imaginei esparramado num sofá a falar de sexo noutras circunstâncias, assim com menos roupa e outra companhia...
Médico- Ora ai está um tema que ainda não tinhamos abordado. Sexo! Diga-me Miguel, se tivesse de resumir a sua vida sexual numa palavra, qual seria?
Miguel- Não sei... Estou indeciso entre calos e cãimbras nos braços! Qualquer uma resulta. Deixo ao seu critério... Nunca fui muito feliz nesse aspecto. Quando era mais novo as únicas vezes que metiam conversa comigo nas discotecas era para me pedirem cigarros! E eram sempre homens... Só cheguei a dar o meu número de telefone uma vez, numa rusga de polícia...
Médico- Mas já teve algum relacionamento sério?
Miguel- Revistas contam? “Ana mais atrevida” é mesmo o único nome feminino que associo à minha vida sexual...
Médico- Nunca esteve apaixonado?
Miguel- Já! Suprendentemente já. É óbvio que não fui correspondido mas foi uma época da minha vida em que me levantava de manhã para trabalhar com outro ânimo. Ela era linda, sensual, inteligente, falava muito bem e tinha um brilho nos olhos que me deixava a ver estrelas...
Médico- Como é que a conheceu?
Miguel- Aluguei um filme chamado “Lésbicas numa Ilha Deserta” e ela aparecia na 3ª cena, em que elas estavam a construir uma cabana com paus de bambu! Nunca imaginei que uma lanterna tivesse tanto uso... Mas para acabar já de contar a minha curta história amorosa digamos que eu tenho menos hipoteses de perder a virgindade que um Padre...
Médico- Compreendo... Peço desculpa mas hoje temos de terminar mais cedo! Lembrei-me agora que tenho um caso grave que tenho de atender dentro de 15 minutos. Peço mesmo muita desculpa. Continuamos para a semana, ok?
Miguel- Claro! Não tem problema! Eu volto para o meu mundo de T.V. e catálogos de lingerie... Sabe, sinto que não pertenço a este mundo, que não fui feito para viver com outras pessoas! Só me sinto bem sozinho no meu apartamento... Como pode a vida ser tão cruel quando não somos belos?
Médico- Miguel, por favor, não se importa de baixar os braços e descer da minha secretária? Miguel, pare de gritar!
Miguel- Porquê? Porquê? Porquê... Porque se afastam as pessoas de mim na rua? Cheiro mal? Tenho algum problema?
Médico- Acho que no seu caso, sair á rua com roupa ajudava, Miguel. E por favor pare de se assuar às almofadas! Isso não foi barato...
Miguel- E aquele sonho que tenho! Que insiste em aparecer... Noite após noite, domina a minha cabeça e me tortura constantemente...
Médico- Sonho? Nunca me tinha falado disso, Miguel! Que é que se passa no seu sonho?
Miguel- Sou pequeno. Tenho 7/8 anos de idade. Estou na cozinha a brincar com as barbies da minha irmã e dá-me uma vontade enorme de ir á casa de banho! Levanto-me e dirigo-me à divisão respectiva... Ao passar pelo quarto dos meus avós vejo a minha avó, nua! Totalmente nua! Sem uma única peça de roupa no corpo, com toda a sua enormidade física pendurada nos rebordos das suas ancas. Deu-me uma vontade incontrolável de vomitar e desde esse dia tenho vindo a desenvolver um gosto por mulheres muito peculiar!
Médico- Parece-me que assim as coisas já estão mais claras! Obrigado por acender esse candeeiro... Através da sua história percebo que os seus problemas advéem da sua infância, desse dia em especial. O Miguel tem um trauma muito grande proveniente desse dia, e hoje só consegue ficar excitado sexualmente olhando para idosas. Não é verdade, Miguel?
Miguel- Meu Deus, sim... é verdade... Ajude-me por favor! Sinto-me um monstro! Já não consigo passar um dia sem ver as manhãs da TVI... Crochet passou a ser obrigatório no meu dia a dia! Que posso fazer, doutor?
Médico- Acho que a solução para o seu problema é muito simples Miguel! Ouça...
O médico explicou a Miguel o que tinha de fazer e apartir desse dia ele nunca mais foi o mesmo. Miguel seguiu o conselho e fez voluntariado num lar de terceira idade... Bons tempos passou Miguel a jogar damas e à Sueca enquanto ouvia Emanuel e trocava receitas de doces de natal! Miguel descobriu que esconder os medos não é a melhor solução para os vencer, mas sim enfrentá-los de "cabeça erguida". Agora qual das duas Miguel ainda não tinha a certeza... Mas tinha muito tempo para descobrir...

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