Friday, October 14, 2011

Ra/elação

Adenda abonatória: eu não faço esta cara de parvo.
Fiz recentemente um ano com a minha namorada.
E apesar de a relação ser óptima, de eu gostar muito dela e de sermos tão fofos que merecíamos um autêntico cartão de "Feliz Dia dos Namorados" só com a nossa fronha, aconteceu algo que me apanhou de surpresa.

Maior parte das coisas que acontecem numa relação são subtis. Ninguém está constantemente a avaliar o que se passa até as coisas correrem horrivelmente mal. Ou espectacularmente bem. (O que pode acontecer ao mesmo tempo, se por exemplo, estiverem numa ménage-à-trois e forem acidentalmente queimados com cera quente no escroto.) Mas adiante.

Independentemente de quem "controla" a relação na altura, durante a maior parte do tempo eu acho que a condução é repartida. A diferença principal é que as mulheres têm consciência do que estão a fazer enquanto que os homens só sabem que estiveram a controlar a coisa quando é tarde demais e fizeram asneira. A verdade é que no outro dia eu e a minha respectiva (a tal do cartão do "dia dos namorados", mantenham-se atentos, se faz favor) fomos a uma festa e fomos apresentados a um grupo de 5 raparigas.

As ditas eram jovens, alegres, pimpinantes e demonstravam uma aura de juventude e sensualidade que chamaria a atenção de qualquer homem com pelos menos 2 dos 5 sentidos a funcionar. "Olá, prazer" aqui, "olá prazer", acolá. Damos beijinhos, ficamos apresentados para todo o sempre e continuamos a nossa festa. Pois foi no rescaldo de toda esta civilizada apresentação que a minha namorada me diz, com um ar demasiado neutro e natural, as fatídicas palavras: "aquela X é mesmo o teu tipo". Citando Passos Coelho, foi um murro no estômago. Foi com esta pontaria digna de um árabe em dia de lapidação que a minha namorada acertou exactamente na rapariga, das 5, que tinha captado a minha (sempre fiel) atenção. E isto é perigoso.

Um ano depois de nos apaixonarmos, de nos conhecermos e de eu ocasionalmente (e discretamente) espreitar para saia alheia, a minha namorada já consegue perceber o meu "tipo", e pior, "identificá-lo", "rotulá-lo" e "enviá-lo para abate". Não que eu a queira, ou vá, trair mas porque me retira a única forma de emancipação que eu julgava que tinha na relação. Ela já sabe que raparigas eu acho piada. A mulher com quem partilho saliva e outros fluidos que tais, já está dois passos à minha frente. A verdade é que esta capacidade de leitura da minha namorada só seria proveitosa se ela me estivesse a preparar uma orgia surpresa como prenda de anos. Como não está - e acreditem que eu pergunto algumas vezes se está - não tem piada nenhuma.

Não sei como é que isto se resolve - se com dicas falsas, se com pistas erradas, se com emigração para outro continente. A verdade é que sinto no meu dever avisar e preparar todos os leitores (e leitoras, que elas também espreitam calça de ganga alheia) como se devem desviar deste embate frontal, sem airbag, com a previsibilidade.
- Primeiro, nunca confessem quem é a vossa verdadeira paixão cinematográfica. É a maior pista que podem dar do tipo de ser humano que vos atrai.
- Segundo, se em algum momento em que estão com a vossa cara metade sentirem que ela(e) percebeu para quem vocês estavam a olhar, olhem imediatamente para a mulher/homem mais próximo. Mesmo que essa pessoa seja idosa, um sem-abrigo ou um grilo da EMEL.
- Terceiro, as mulheres são mais espertas que nós. Ou seja, elas não ligam ao óbvio, interpretam o subtil. Por isso, da próxima vez que for apresentado a um grupo de raparigas como eu fui, diga imediatamente que acha piada à pessoa que você acha piada. Não tente disfarçar, como costuma. A sua confissão tão frontal, honesta e directa irá confundir a sua cara metade, que irá estranhar (e ficar a digerir) a sua confissão durante bastante tempo. Tempo esse que lhe dá um bom avanço para a discussão que vem depois.

Eu não estou a defender o "pular fora da cerca", eu amo a minha namorada. Estou apenas a pegar naquilo que um amigo javardo costuma dizer ("não é por já ter comida no prato que não posso olhar para o menú, caraças") e a tratá-lo com a responsabilidade que o poder apreciar outras pessoas tem numa relação. O que é que se segue? Ela pedir a comida por mim em restaurantes? Escolher a roupa que vou vestir? Acabar as minhas frases? Tremo só de pensar.

A única coisa que ser previsível fará pela minha relação é matá-la.
E ninguém gosta de saber que foi o mordomo, com o candelabro, na cozinha, antes do filme acabar.

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