Friday, August 19, 2011

Fringe

Aos católicos dizem-lhes que quando morrerem - e depois de se portarem bem, claro - que vão para o paraíso, um sítio onde toda a família deles que já morreu lá está à espera, de braços abertos.

Aos muçulmanos dizem-lhes que quando morrem - e depois de se portarem mal, claro - que vão para o paraíso, um sítio onde todas as virgens que eles quiserem lá estão à espera, de pernas abertas.

Aos comediantes não dizem nada sobre o momento em que eles morrem. Mas eles também têm um paraíso. Chama-se Fringe, dura todo o mês de Agosto, é em Edimburgo e tem milhares de espectáculos de comédia à espera deles, de portas abertas.

Este ano eu fui. Não bebi uma cerveja aqui. Não vi um filme no cinema ali. Escrevi que me matei por - e para - todo o lado e lá fui eu gastar o dinheiro poupado na Escócia. E valeu cada pence.

Com 1400 espectáculos diários não se pode dizer que "não se sabe bem o que se vai fazer hoje". Sabe-se. Só não se tem a certeza de onde e ver quem, na verdade. Há demasiados tipos de espectáculos, em demasiados sítios diferentes. Edimburgo é pequena e rebenta pelas costuras de pessoas, eventos e mini-saias vestidas por Inglesas durante Agosto. Há dezenas de pessoas a forçarem-nos panfletos para a mão, a convencerem-nos de espectáculos que vamos perder e não devíamos. Escadarias e paredes perdem a cor original de tão tapadas que estão de posteres e cartazes. E depois há as salas. Eu vi espectáculos em salas de conferências para 600 pessoas, bares para 80, salas de aula para 60, caves para 30, arrecadações para 15 e o interior de uma ponte para 100. Mesmo.

Edimburgo é uma espécie de orgia constante. A qualquer momento uma pessoa pode entrar num bar ou abrir uma porta e estar dentro de um espectáculo de comédia, música, magia, teatro ou dança. Há de tudo. Em, literalmente, todo o lado. Gosto de pensar que estive em Edimburgo a ver espectáculos e que pelo meio tive de ir parando para comer, apanhar chuva e beber copos em discotecas repletas de pessoas que precisavam de estar dentro de discotecas. Quando eu digo que há espectáculos por todo o lado, podem ser marinheiros a dançar Riverdance, bêbados, ou inglesas a dançarem só de sutiã vestido. Acontece quando os britânicos bebem demais. Nós agradecemos.

Estive por lá 4 dias, de Domingo a Quinta, e tinha como objectivo comer, dormir e ver stand-up comedy. Consegui. Mesmo que não quisesse ir ser difícil. Há espectáculos de 16 libras a 0. Sim, 0. O espectador entra na sala, vê o espectáculo e no fim decide se quer dar umas moedas ao artista ou sair da sala envergonhado e viver com a culpa para sempre. Acho que ainda não disse isto mas... há de tudo.

Vi espectáculos caros de grandes estrelas. Vi artistas que nunca tinha ouvido falar. Vi stand-up grátis que adorei. Vi magia, mímica cómica, música e críticas a notícias. Até vi um evento privado no qual apenas se entrava de palavra passe. Basicamente, aproximei-me de uma porta e tive de dizer a um jovem - que não desfez até ao momento final - "i promise i will not have a boner". E ele deixou-me entrar. Deixo o mistério se depois tive ou não.

O ambiente é óptimo e respira-se boa onda e comédia entre cada golo de pint. Fiquem sabendo que maior parte dos artistas espera no final do espectáculo à porta da sala, para agradecer e apertar a mão aos espectadores. Conheci o Dave Gorman, que me assinou um dvd e me disse que "Guilherme" não era assim tão difícil de dizer, e o Tom Green. Sim, o americano. Que passou pelo meu grupo e perguntou - de forma estranha e 4 vezes seguidas - "Are you cool? Everything ok?". Foi estranho. Mas era o Tom Green.

Espero que a lista de artistas, aqui por ordem cronológica, diga tudo:
- Caroline Maybe's One Minute Silence
- Markus Birdman Dreaming
- Stand Up Late
- Dan Willis RadioHead
- Dan Willis Inspired
- The Boy With Tape on His Face
- AAA Stand-up Late
- Todd Barry: American Hot
- Sammy J and Randy: Ricketts Lane
- Ed Byrne: Crowd Pleaser
- Midnight Laughzzzz
- Jimmy McGhie: Artificial Intelligence
- The Free Daily Topical Show
- Dave Gorman's Power Point Presentation
- Barry & Stuart: the Show
- Barry & Sturat: the Tell
- Sammy J: private event recording

...e em 90 horas de festival.
Uns foram maravilhosos. Outros bons. Outros surpreendentes. Alguns... interessantes.
Mas nenhum me tirou a vontade de, para o ano, morrer outra vez e ressuscitar uns dias depois.

Sei que tenho um paraíso à espera.

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